quarta-feira, 23 de junho de 2010

DEPRESSÃO EA PILULA DA FELICIDADE



Nesta semana, foi publicado um estudo coordenado por um grupo de cientistas britânicos, americanos e canadenses a respeito da eficácia de antidepressivos de nova geração. O trabalho foi publicado na revista eletrônica PLoS Medicine, e já começou a levantar uma série de questionamentos no meio médico e, principalmente, na indústria farmacêutica.


Resumidamente, os pesquisadores compararam os efeitos apresentados por pacientes com depressão que tomaram antidepressivos com os dos que receberam apenas um placebo. Para tanto, consideraram valores de escalas próprias para avaliar a depressão e de resultados de outros 47 testes clínicos sobre os efeitos dos principais antidepressivos da atual geração, submetidos ao FDA (agência dos EUA que regula e autoriza, naquele país, a comercialização de alimentos e remédios). Esses testes foram feitos para subsidiar os pedidos de licença junto ao órgão.

Os resultados sugerem que não há diferença significativa entre as respostas dos que tomaram o antidepressivo e as daqueles que receberam placebo. Alguma eficácia só foi observada em pacientes com depressão em graus mais severos, e ainda assim com efeitos modestos. Isso tudo pode nos remeter a algumas reflexões importantes.

1) Os antidepressivos são os medicamentos mais vendidos no mundo. Tal abrangência fez com que drogas como o Prozac e o Serotax recebessem o apelido vulgar de "pílula da felicidade". Os antidepressivos não são recomendados somente para tratamentos de transtornos depressivos. Quadros de ansiedade e outros transtornos mentais também podem exigir esse medicamento no tratamento.

Contudo, o que se percebe é que os antidepressivos passaram a ser utilizados para uma variedade quase irrestrita de situações. Muitas vezes, esses medicamentos são procurados para enfrentar frustrações, dificuldades de relacionamento, culpa e remorso, tristezas circunstanciais e muitos outros problemas de ordem estranha ao saber médico.

Não há dúvidas de que o uso (ou abuso?) dos antidepressivos tem sido escorado por fantasias onipotentes de obtenção de felicidade e bem-estar. "Você está meio jururu? Tome um antidepressivo"; "seu amigo morreu? Calma, tem remédio para o luto". Eles foram retirados de sua natureza médica, ou seja, de sua função típica de auxiliar no tratamento dos transtornos de humor, para serem usados como panacéia para todas as dores. Aliás, essas fantasias de "cura da tristeza" a indústria farmacêutica jamais se esforçou em dirimir.

Ninguém consegue controlar totalmente as circunstâncias da vida produtoras de sofrimento psicológico, mas a descoberta de que podemos intervir na química do cérebro para controlar sintomas da depressão fez reforçar algo tirano e perigoso: a indústria da felicidade.

2) A ordem de nosso tempo é ser feliz. A felicidade não é algo desejável, mas imperioso. Somos todos encobertos por um caldo grosso de cultura que nos manda gozar a vida o tanto quanto pudermos. Aliás, o século XX foi o século da felicidade: ela estava ao alcance de todos, mediante o esforço de cada um. As mensagens não deixam dúvidas: aprecie, divirta-se, curta, aproveite, não perca. Tanto que os filhos passaram a ser criados com o objetivo de serem felizes. Quem não é feliz, é porque fracassou.

A obrigação de ser feliz inclui um erro e leva a um outro. Em primeiro lugar, tomar a felicidade como objetivo de uma vida pressupõe que ela seja um estado de espírito definitivo. Como se, depois de um longo período de busca, o sujeito respirasse aliviado, bradando: "agora eu sou feliz!". Na verdade, a única felicidade disponível de forma realista é uma felicidade descontínua, já que sempre haverá momentos de felicidade e prazer, assim como de sofrimento e tristeza.

O segundo erro, resultado do primeiro, é que o significado da vida deixou de ser prioritário. A felicidade é convocada a servir de tampão aqui, como justificativa básica da existência. A vida é para ser feliz, ponto final. Ora, cuidado: o que é, exatamente, ser feliz? Quer dizer que a vida de uma pessoa miserável não tem sentido?

A felicidade é pura artificialidade sem que se encontrem significados para ela e para a própria existência.

3) Voltando aos antidepressivos e à pesquisa. Note que há uma distinção entre os componentes psicológicos e orgânicos de um quadro depressivo. O tratamento medicamentoso da depressão, se não for acompanhado de terapias paralelas, será negligente com a dimensão psicológica do problema.

Quando se trata de saúde, nem tudo é hardware. Em muitas situações o problema está no software. A análise dos sintomas é necessária para encontrar o significado da doença e, a partir daí, intervir nas causas psicológicas do problema. Se o tratamento se restringir a remédios e aos substrato biológico, o alívio é apenas nos sintomas. Uma visão restrita a esse ponto transforma o antidepressivo num mero anestésico emocional.


Para o tratamento da depressão, os diversos eixos terapêuticos precisam ser complementares.


A depressão tem tratamento. O que não existe mesmo é a cura para tristezas, e muito menos fórmulas de felicidade

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